No prefácio de seu
"Almanaque Sul-mineiro", de 1874, diz Bernardo Saturnino da Veiga
"que não tendo à sua disposição as informações que só podem ministrar as
repartições superiores, teve de solicitá-las por meio de agentes, de aldeia em
aldeia...".
Sabe-se também que o
próprio Bernardo da Veiga visitou algumas das cidades principais do sul de
Minas, a fim de colher pessoalmente informações históricas sobre a origem delas
e sobre os fatos notáveis ocorridos desde as suas fundações.
Com tal intuito esteve
na cidade de Pouso Alegre, onde, entre manifestações festivas dos seus
correligionários conservadores, ouviu algumas pessoas do lugar que lhe convinha
serem bem informadas; anotou o que lhe contavam sobre a origem de Pouso Alegre
e escreveu o que está no seu almanaque.
Quem foram estas
pessoas e o crédito que mereciam não se sabe; diz simplesmente o historiador
urbano: "Velhos moradores do lugar... "Não teriam sido eles os
conhecidos e temíveis informantes, que, investidos das funções de testemunha
histórica, aumentam o pouco que sabem, inventam e mentem quase sempre?
Eis, porém, o que
consta do "Almanaque Sul-mineiro", de 1874:
"Segundo a tradição que se tem conservado,
quem primeiro habitou as margens do Mandu, foi um aventureiro de nome João da
Silva... Prosperando em sua lavoura, fez João da Silva, no fim do século
passado, doação do terreno necessário para edificação de uma igreja dedicada ao
Senhor Bom Jesus...
Construiu-se a capela com o auxílio de alguns moradores
vizinhos e, no ano de 1795, o padre Francisco de Andrade Melo, que então
residia na paróquia de Santana do Sapucaí, veio celebrar a primeira missa que
houve nesse lugar, ficando desde então capelão particular...
Em 1797, o governador D. Bernardo José de Lorena, conde de
Sarzedas, que de São Paulo fora transferido para a capitania de Minas Gerais, ,
passou pelo nascente povoado, onde veio a seu encontro o juiz de fora de
Campanha, Dr. José Joaquim Carneiro de Miranda...
Encantados pelo suntuoso panorama que se descortinava a
seus olhos, e pelos vastos e límpidos horizontes que os cercavam, conta-se que
um daqueles personagens dissera: "isto não devia chamar-se Mandu, mas sim
Pouso Alegre". E daí veio a denominação que o povo e a lei posteriormente
sancionaram..."
Depois que Bernardo da
Veiga publicou o que aí fica, ninguém mais escreveu coisa alguma a respeito do
mesmo assunto, e nem por mera curiosidade procurou indagar se era ou não
verídica essa história de um aventureiro João da Silva, com a sua propriedade,
sou donativo, essa primeira missa, esse encontro de Miranda com Sarzedas e
conseqüente batismo do lugar por um desses ilustres homens.
Tudo quanto se tem
escrito sobre Pouso Alegre, de 1874 para cá, nos anuários massudos do Estado,
nos almanaques efêmeros, nos relatórios de visitadores sanitários, em memória
episcopal, tem sido cópia fácil e cômoda dos cinco períodos em que Bernardo da Veiga
contou, talvez para sempre, a história da origem de Pouso Alegre.
Contavam, também,
outros velhos da cidade, que o primeiro habitante das margens do Mandu foi um
paulista apelidado Manduca, que vivia da pesca e, como barqueiro, dava passagem
no rio cujo nome se originou de seu apelido.
Essa versão sem
fundamento toca às raias da tolice, porque, a sério, não se pode admitir
barqueiro em um rio que da vau em muitos lugares no tempo da seca, época do ano
em que, como é sabido, se viajava pelos sertões; fora, ainda, a ingenuidade de
conceber-se um aventureiro vivendo de pesca sozinho, ou dando passagem onde não
existiam passageiros!
Rejeitando-se pois, de
um vez, essa hipótese infantil, resta o que fantasiou, ou antes, lirizou
Bernardo da Veiga, no seu imorredouro e massudo almanaque de 1874, lacrimal
histórico do Sul de Minas.