O Mandu é um pequeno rio de cerca de quarenta e cinco
quilômetros de percurso. Nasce em um dos vales formados pelas vertentes da
Serra do Abertão, e tomando o rumo NE, atravessa parte da bacia do Sapucaí,
lançando-se no Sapucaí-Mirim.
A um quilômetro, mais ou menos, acima de sua foz,
passava, em 1750, o caminho de São Paulo a Vila Rica. Na parte NO desse caminho
- nas encostas da Serra do Gaspar, que morrem à margem esquerda do Mandu -
estende-se a vasta região de campos e de matas; é fértil, aprazível e de um
clima muito ameno, apesar da vizinhança de várzeas dilatadas e alaguiças que se
estendem para o sul, à margem direita do rio, tomando largamente a direção do
leste. Aí dava-se o ponto de intercessão do antigo caminho com o rio, e hoje está
situada a cidade de Pouso Alegre.
A observação detida da localidade e a existência de
numerosos vestígios levam à convicção de que o primitivo caminho, ao
aproximar-se do rio, passava pelo espigão do morro chamado Alto das Cruzes, e
descia pela encosta da colina em que fica o bairro das Taipas, ao longo do
córrego, até inserir-se no rio, onde termina a rua antigamente chamada da
Cadeia Queimada.
Nesse ponto começou a edificação do povoado.
Tendo-se em vista a natureza ao Norte do rio,
verifica-se que o estabelecimento principal da povoação - a fazenda de criar -
era situada nas fraldas do monte central, ladeado por extensos brejais cortados
por dois córregos até a margem do Mandu. A localização dessa fazenda deve
coincidir com o centro da cidade, nas imediações da Praça Senador José Bento.
Via-se, então, como ainda se vê hoje em muitos
lugares, a fazenda situada na encosta e, ao longe, na margem do rio, um pequeno
núcleo de casas, rancho e venda destinada ao comércio com viajantes.
Quem primeiro habitou as margens do Mandu foi o
aventureiro Antônio de Araújo Lobato, mais ou menos em 1750, logo depois da
expedição de Francisco Martins Lustosa e João Veríssimo de Carvalho, ao longo
desse rio e do Cervo.
Araújo Lobato, como todos que se apossavam de terras
nos sertões, não foi jamais incomodado pelo Governo, o qual, tendo as suas
atenções voltadas para a extração do ouro, tolerava os raros aventureiros que
se estabeleciam nos campos e nas matas para se dedicarem a lavoura e criação de
gado.
Alguns anos depois de Araújo Lobato, um outro
aventureiro de nome Felix Francisco também se apossou de terras no mesmo
sertão.
Em geral esses aventureiros eram homens de haveres,
senhores de escravos, e logo que se apossavam de terras, nelas construíam
moradas, abriam plantações, fechavam currais, organizando verdadeiras fazendas.
Como acontecia normalmente por esse tempo, consentiam ou procuravam os
fazendeiros instalar moradores em suas terras, os quais, trabalhando para si,
embora em campo alheio, concorriam para a prosperidade das fazendas, geralmente
conhecidas por se localizarem ao longo das estradas.
Entre os habitantes da primitiva fazenda, figurava
João da Silva Pereira, que, em 1755, adquiriu por compra as terras posseadas
por Lobato e por Felix Francisco. Como, porém, a posse de vendedores não se
achava legitimada, João da Silva Pereira, depois de cultivar as ditas terras
por mais de trinta anos, requereu ao governo de Luiz da Cunha Menezes a
concessão de uma sesmaria de três léguas de comprimento por uma de largo, a
qual compreendia integralmente as terras por ele adquiridas.
A sesmaria lhe foi concedida em 14 de junho de 1785.
E a demarcação dela abrange toda a paragem que começa, por um lado, na vargem
da barra dos dois Sapucaís, sobe pelas vertentes da Serra do Gaspar, onde está
edificada a cidade e segue por espigões até descer no ribeirão das Anhumas; por
outro lado atravessa o Sapucaí, terminando no ribeirão da Estiva, afluente do
mesmo rio.
Em virtude do valor dessa carta de sesmaria, e pelo
fato de não ter constado até hoje em nenhum trabalho histórico de Pouso Alegre,
damo-la em seguida na íntegra:
“Luís da
Cunha Menezes, etc.
Faço saber
aos que esta carta de sesmaria virem que atendendo o que me representou por sua
petição João da Silva Pereira, morador na Freguesia de Santana do Sapucaí, em
terras que cultiva há mais de trinta anos por compra que então delas fez a
Antônio de Araújo Lobato, primeiro povoador daquele sertão, e outras mais,
povoadas e cultivadas ao mesmo tempo daquelas por Felix Francisco, cujas terras
se verificam entre os rios Sapucaí-Mirim e Sapucaí-Assu, tanto umas como outras
em que se acha atual cultura desde o referido tempo; e porque as quer possuir
na forma das Reais Ordens, pedindo-me por fim e conclusão de seu requerimento
lhe concedesse uma sesmaria de três léguas de comprido e uma de largo para
poder titular as sobreditas terras compradas por de outra forma o não poder
fazer por terem extensão grande, sendo a maior parte campos de criar o gado
vacum e cavalar com que se acha o suplicante nelas estabelecido,
principiando-se a mediação no fim do Espigão donde finda a barra de um e de
outro Rio, correndo sempre pelo dito Espigão acima, até onde findarem as terras
que o suplicante comprou, que é o primeiro Ribeirão acima do Córrego chamado
"dos Macacos", que deságua para o Sapucaí-Mirim e do outro com um
Córrego chamado "Lagoinha", que deságua para o Sapucaí-Assu, fazendo-se
o Pião, donde mais conveniente for, por ser uma paragem quase sertão inda até o
presente, cuja concessão a requer com preferência a outra qualquer na dita
paragem, tudo na forma das ordens de Sua Majestade, etc, etc..."
Verifica-se claramente pela carta de sesmaria doada a
João da Silva que a primeira sesmaria concedida no sertão do Mandu foi a sua,
que adquiriu de Araújo Lobato e Félix Francisco - primeiros habitantes da
paragem - as terras cuja posse legitimou por meio da referida concessão.
A carta torna incontestável a demarcação referida,
não só pela coincidência hidrográfica, mas principalmente pelas seguintes
razões: da vargem dos dois Sapucaís ao Ribeirão das Anhumas, a distância é de
três léguas; da mesma barra ao Ribeirão da Estiva, no Sapucaí-Grande, é de uma légua, exatamente a extensão demarcada na sesmaria. A posição dos ribeirões
coincide também e, por fim, não há outro espigão, a não ser o da Serra do
Gaspar, por onde possa correr a demarcação de um dos lados da sesmaria.
O fato de se dizer no documento oficial que as terras
ficam entre os rios Sapucaí-Assu e Mirim - "entre um e outro" -
explica-se em vista das cartas geográficas de 1767, pelas quais se verifica que
o conhecimento que outrora se tinha da direção dos dois rios, era o contrário
da que é cientificamente determinada nos mapas de hoje. Nas cartas de 1767
observa-se que a curva formada pelos dois rios, na sua junção, era o inverso da
curva determinada atualmente; invertendo-se, pois, a direção real dos
”sapucaís”, tem-se que a Sesmaria ficava entre um e outro.
Durante os trinta anos que mediaram entre a compra e
a posse legal de João da Silva Pereira, desenvolveu-se o povoado, cuja origem
foi o estabelecimento de Araújo Lobato no Sertão do Sapucaí.
Em 1766 já era o pouso do Mandu relativamente grande,
visto que nessa data ali estabeleceu o Governo um Registro Fiscal para o ouro
que saía de Santana e de Ouro Fino. Cerca de cinqüenta anos depois de sua
fundação, quando já eram numerosos os habitantes do lugar, empreenderam eles a
criação da freguesia, por se lhes tornar difícil a freqüência a Santana, a cuja
paróquia pertenciam. Deram, então, começo ao empreendimento, construindo uma
capela a custa dos moradores do lugar.
Em 1790
a capela estava edificada nas proximidades da fazenda
que pertencera a Araújo Lobato; a localização dela coincide como o centro da
atual Praça Senador José Bento, onde está o monumento a Imaculada Conceição, no
jardim que existe na referida praça. A igreja foi consagrada ao Senhor do Bom
Jesus dos Mártires, e da sua ereção em diante o povoado passou a denominar-se
Capela do Mandu.
Construída a igreja, celebrou-se a primeira missa,
celebrada pelo Padre Francisco de Andrade Melo, residente em Santana, o qual,
daí por diante, ficou sendo o capelão particular.
Depois desse largo passo de adiantamento, o arraial
se desenvolvia gradualmente, mas continuava como capela particular, apesar dos
esforços e pedidos insistentes de seus moradores no sentido de ser criada a
freguesia. Afinal, aumentando-se consideravelmente a sua população, e
tornando-se, por isto, mais prementes as suas necessidades religiosas e
administrativas, resolveu a Mitra auxiliá-los no seu intento.
Por meio de representação do Juiz de Fora da Campanha
e petição do povo, o Bispo de São Paulo informou favoravelmente, encaminhando a
petição ao Regente: alegava ela, principalmente, a grande população do lugar, a
enorme extensão da paróquia de Santana e pedia a criação da freguesia com a
denominação de Freguesia do Senhor Bom Jesus de Pouso Alegre. Atendendo à
informação do Bispo D. Mateus, o Príncipe Regente mandou erigir, por Alvará de
6 de novembro de 1810, em nova freguesia colada, a Capela do Mandu.
Está perfeitamente averiguado que o patrimônio da freguesia
foi oficialmente doado por João da Silva Pereira. Mas nos documentos públicos
de Pouso Alegre não se encontram referências a seu nome, e parece que ele já
não existia ou mudara do lugar quando foi instalada a paróquia. Do termo
lavrado então não consta a sua assinatura, o que é estranho, tratando-se de
pessoa mais que qualquer outra interessada pelo acontecimento.
João da Silva Pereira não foi o fundador de Pouso
Alegre; ao que consta, por fim, apenas doou o patrimônio da freguesia, cerca de
cinquenta anos depois do primeiro habitante do Mandu. Pela verdade, pois, dos
documentos históricos, quem lançou os fundamentos de Pouso Alegre foi Araújo
Lobato.
E o povoado nasceu, prosperou, cresceu; foi de
Freguesia a Vila, de Vila a Cidade, de pouco em pouco, espontaneamente, pela
riqueza de suas terras, pela excepcional posição geográfica, pelo encanto de
sua paisagem.