O que conta Bernardo
da Veiga no mencionado almanaque de 1874, quanto ao nome de Pouso Alegre dado
ao arraial do Mandu, é infelizmente confirmado, talvez por cópia, no Anuário de
Minas, de Nelson Sena.
Antes, porém, de
outras considerações, convém mostrar como o velho almanaque costuma tratar a
história.
Diz José Pedro Xavier
da Veiga nas "Efemérides Mineiras" que José Joaquim Carneiro de
Miranda - o Juiz de Fora que colaborou na denominação de Pouso Alegre - foi nomeado
em 25 de abril de 1799; Alfredo Valadão, em Campanha da Princesa, diz também
que essa nomeação foi feita em 12 de maio do dito ano. Embora esses
historiadores discordem quanto ao dia e mês em que se deu tal nomeação, são
acordes, afirmando que a posse de Miranda teve lugar em 1800.
Foi Carneiro de
Miranda o primeiro Juiz de Fora da Campanha, e não tendo outra pessoa que se
possa confundir com ele, como se explica sua ida ao Mandu, em 1797, na
qualidade de Juiz, a fim de receber Sarzedas? A sua estada em Mandu, investido
das funções de um cargo que ainda não ocupava, parece uma das lendas
registradas pelos agentes de Veiga, "que andaram de aldeia em aldeia"
ajuntando fatos históricos... Todavia, é muito possível que o próprio Miranda
tenha saído ao encontro do governador, mas sem o caráter de Juiz de Fora.
Bernardo de Lorena
passou por Pouso Alegre, e não podia deixar de fazê-lo, uma vez que por ali
corria o caminho mais curto, e o único freqüentado, entre São Paulo e Vila
Rica. É natural que tenha colaborado na denominação do lugar, ou seja, mesmo o
seu autor. Isso, porém, melhor se explica pela dedução ou informações
razoáveis, que por intermédio do Juiz de Fora Miranda, amparado pelas
expressões ingênuas e poéticas do historiador sul-mineiro.
Quando em julho de
1797, o Conde de Sarzedas, removido da Capitania de São Paulo para a de Minas
Gerais, passou pela capela do Bom Jesus do Mandu, aplicou-lhe, segundo o
primeiro historiador da cidade, num verdadeiro arroubo lírico, o nome de Pouso
Alegre. No entanto, observa Felício dos Santos, fino cronista estranho às
coisas sul-mineiras, que Bernardo de Lorena foi um indivíduo grosseiro, incapaz
de sentimentos poéticos e sobretudo afamado pelos seus hábitos torpes de
devasso.
Ao deixar a Capitania de São Paulo, levou consigo duas mestiças, suas
amásias; tais mulheres gozavam indistintamente das mesmas regalias, e exerciam
simultaneamente tão poderosa influência sobre o Governador, a ponto de se
tornarem as supremas autoridades do numeroso séquito de peões, tropeiros e
serventes que acompanhavam o Capitão-Mor.
A respeito dessa
viagem, conta uma carta que aqui vai referida por mera curiosidade, que os
fardos mais pesados da bagagem e mais difíceis de transportar eram as amásias
do Governador. Tão mandonas e comodistas eram elas, que obrigavam a comitiva a
estacionar por mais de um dia em certos pousos, a fim de dormirem e comerem à
vontade...
Na penosa travessia de
São Paulo a Vila Rica, passava-se pela já mencionada fazenda chamada Pouso
Alegre, cuja origem remonta ao ano de 1762. Essa fazenda pertencia a Cláudio
Furquim de Almeida, por carta de sesmaria concedida pelo Conde de Bobadela,
conforme linhas atrás. O lugar existe até hoje, é triste, desolado e feio:
ninguém mais o conhece por Pouso Alegre, tem agora o nome de Itapeva.
Como a fazenda Pouso
Alegre era um dos pousos para quem viajava de São Paulo a Vila Rica, por lá
passou Bernardo José Lorena; lá pernoitou e talvez permanecesse por mais de um
dia, em virtude dos contratempos freqüentes nas viagens pelo sertão. Imagina-se
o que teria sido a bagagem e comitiva de um Capitão-Mor transportando-se de uma
para outra capitania...
O número de peões,
serventes, tropeiros e mulas; a condução de haveres, trens de cozinha, víveres
e barracas; os recursos, em fim, para a travessia de uma região despovoada! Por
tudo isso conclui-se que as paradas mais ou menos longas, nos lugares de
recursos, seriam freqüentes.
Como quer que seja, o
certo é que da fazenda Pouso Alegre levou a comitiva a má impressão da tristeza
e da falta de recursos de tal pouso.
Em seguida,
atravessando uma paragem erma, cheia de morros e de maus caminhos, o rancho de
Sarzedas chegou ao Mandu, um povoado populoso e, por isso, de recursos. É
provável que lá permanecesse por algum tempo, e lá recebesse alguém de Campanha
ao encontro de Lorena. Então é razoável concordar-se com o almanaque -
"encantados com as lindas paisagens e vastos horizontes, e sobretudo com o
repouso e fartura, tendo muito vivas as recordações da fazenda Furquim, alguém
dissesse naturalmente, sem entusiasmos poéticos, por simples comparação: "Este
lugar é que devia chamar-se Pouso Alegre e não aquele pouso onde estivemos".
Um batismo assim
espontâneo é bem mais compatível com a verdade, que o lirismo de um português
grosseiro, acompanhado de amásias, tropeiros e mulas. Além do mais, não é
crível que o desconhecido padrinho de Pouso Alegre se lembrasse por acaso de
tal nome, existindo já muito próximo um lugar assim chamado, geral e
oficialmente. Bernardo de Lorena, ou quem quer que fosse de São Paulo para
Minas, não poderia desconhecer a Fazenda Pouso Alegre, pois teria
inevitavelmente de passar por ela, visto ser ponto de pernoite.
Por intermédio do
Capitão-Mor ou de outro viajante qualquer, o que houve foi o que ainda hoje
acontece freqüentemente: uma transferência de nome, coisa, aliás, muito
natural, em se tratando de um nome como "Pouso Alegre",
correspondente às condições e encantos de um lugar. Além disso, a denominação
"Pouso Alegre", dada a localidades, é mais comum do que parece; são
conhecidos cerca de quinze lugares assim chamados, e dois deles em virtude de
passagem de um para outro.
No Sul de Minas é
freqüentíssima a transferência de nomes entre serras, córregos, sítios e
localidades. O nome Itajubá já tem designado nada menos que quatro paragens.
Conforme o Dicionário Geográfico, de Saint´Adolphe, as minas de Campanha foram
descobertas em 1720, sendo a freguesia criada quatro anos depois. A respeito do
mesmo assunto veja-se o que diz o certificado do Padre João da Silva Canalo,
Clérico e Presbítero do Hábito de São Paulo:
"Certifico
em como entrei nestas novas minas de Itajubá, em adjunto com Geraldo Cubas
Ferreira, com ânimo de assistir nelas, etc. Novas Minas de Itajubá, Novembro,
3, de 1723".
No auto de posse do
Sertão do Rio São João (Jacuí) em 1775, há referências ao "Rio Sapucaí das
Campanhas de Itajubá", de onde se conclui que Itajubá é antiga denominação
e uma paragem da mesma região, onde existia ouro.
A moderna cidade de
Itajubá tomou o nome do lugar chamado Itajubá, hoje Itajubá Velho, ou Soledade
de Itajubá, cuja fundação, conforme Vieira de Carvalho, foi anterior à abertura
do caminho do Sapucaí... Itajubá é ainda o antigo nome do penhasco hoje
conhecido por Baú, no distrito de São Bento do Sapucaí.
O nome Pouso Alegre,
designando a capela do Senhor Bom Jesus do Mandu, não era usado nem pelo povo;
em nenhum documento anterior à criação da freguesia se vê tal nome dado ao
arraial, que conserva invariavelmente o nome de capela do Mandu. Um bom
argumento a respeito encontra-se nos termos do alvará que criou a freguesia:
"Hei por bem erigir em nova freguesia colada, a Capela do Bom Jesus de
Pouso Alegre - vulgarmente chamada de Mandu".
O que se depreende
destes documentos e do que consta em documentos históricos de várias naturezas,
é que o nome de Pouso Alegre foi adotado pelos moradores do lugar, quando foi
feita a representação pedindo a criação da freguesia... É mais aceitável e mais
sério admitir-se a transferência de nome de um lugar para outro, feita
deliberadamente, que as exclamações do pesado Capitão-Mor Bernardo de Lorena ou
do anacrônico Juiz de Fora de Campanha.