Em 1764 era plenamente
conhecida a região do Mandu; nas proximidades de sua foz existia já um registro
instituído pelo Governo, para fiscalizar-se o ouro proveniente das minas de
Santana e de Ouro Fino, clandestinamente desviado para Santos e São Paulo.
Luiz Diogo Lobo da
Silva saiu de São João del-Rei em 1764, para dar um giro pelos confins dessa
comarca; em sua companhia levou Cláudio Manuel da Costa , secretário do
Governo, conforme conta o próprio poeta em seu poema Vila Rica.
Nessa viagem, que durou
cerca de três meses, percorreu Luiz Diogo trezentas e cinqüenta e seis léguas.
Sua comitiva, partindo de São João del-Rey, foi a Oliveira, Capetinga, Pium-i,
Barra do Sapucaí; desceu as cercanias de Jacuí, de onde seguiu, atravessou o
Mandu e visitou Santana, Campanha, etc.
Chegando a comitiva a
São João, Cláudio Manuel lavrou, em data de 26 de novembro de 1764, um termo ou
acento da diligência, fazendo o histórico de toda a viagem, do qual destaca-se
o seguinte tópico: "...passando depois do Camanducaia, nas vizinhanças do
rio Jaguari, Registro do Mandu , Sapucaí", etc. E mais este:
"Igualmente convieram que o antigo registro, chamado do Mandu, não devia
continuar no sítio em que se achava", etc.
Já existia, pois, o
registro do Mandu com designação de antigo, por ocasião da viagem de Luiz
Diogo, que o mandou retirar por ficar fora da estrada que ligava o arraial de
Ouro Fino ao de Camanducaia.
No acento da Junta do
Rio de Janeiro, em 1765, convocada pelo Conde da Cunha para resolver sobre os
limites das capitanias de São Paulo e Minas Gerais, existe a referência
seguinte:
"Depois que os ditos governantes se
apoderaram dos ditos descobertos, têm mandado mudar o Registro que estava no
Rio Grande, primeiramente para a passagem do Sapucaí, logo depois para o rio
Mandu, mais adiante dez léguas".
Refere Diogo
Vasconcelos, na História Média às Minas Gerais, que Luiz Diogo, quando fez o
seu giro, perlongou o Mandu; não há, porém, no acento feito por Cláudio Manuel,
nenhuma referência à viagem ao longo desse rio. O mapa apresentado por Luiz
Diogo ao Conde da Cunha, representa por um traço de carmim todo o caminho do
giro, e atravessa apenas o Mandu, partindo diretamente de Camanducaia para
Santana.
No Auto Sumário de
Atibaia, feito em 26 de março de 1789, para verificação da posse da Capitania
de São Paulo, depuseram várias testemunhas, entre as quais Ângelo Batista,
dizendo:
"Entrando com uma Bandeira para a parte do
Sapucaí-Mirim, soube que se pôs um Registro por parte de Minas Gerais, no rio
do Mandu, etc".
Miguel Carlos de
Azevedo depôs:
"Que Francisco Martins Lustosa, temendo ser
preso, deixou a defesa dos limites da Capitania, fixando no Sapucaí uma guarda,
que passados anos puseram o Registro no Rio Mandu..."
Amaro Leite diz ainda:
"Gomes Freire de Andrade mandou por ordem sua
tomar posse de todas aquelas terras minerais, pondo uma guarda no Sapucaí e
logo depois um Registro no Rio Mandu..."
Tomaz Rubim de Barros
Barreiro apresentou-se em Santana para a demarcação de Gomes Freire de Andrade,
em setembro de 1749. O Gurda-Mor Martins Lustosa o recebeu em termos que
provocaram as iras do Governador, recusando os oferecimentos de conciliação e
de vantagens que lhe foram feitos. Afinal retirou-se pacificamente, acompanhado
de seus aderentes, deixando o campo livre para a demarcação sumária que se fez
dos limites entre as duas capitanias.
Nesta ocasião, 1749,
foi posta no Sapucaí a guarda de que falam as testemunhas do Auto Sumário,
notadamente Miguel Carlos de Azevedo, dizendo que, "passados anos, puseram
um Registro no rio do Mandu...". Quem fez a mudança do Registro foi Luiz
Diogo, portanto, foi ele criado entre os anos de 1749 e 1764. Admitindo-se
então um tempo médio de seis anos para justificar o que diz a testemunha:
"passados anos", temos que o Registro foi criado em 1755, mais ou
menos.
A existência de um
Registro nas paragens do Mandu, em 1755, implica, por força, a presença de
moradores no lugar, salvo a hipótese de o Fiel desse Registro ter sido o
primeiro habitante do Mandu. Mas não é crível que o Governo tivesse criado um
posto fiscal em paragem longínqua e o entregasse a um homem solitário ou,
quando muito, acompanhado de dois soldados; o que, de modo nenhum se pode
admitir, porque os soldados de guarda só eram concedidos aos Registros de
grande movimento. Também, esse posto fiscal não poderia ter existido ou
funcionado em casa solitária no deserto de um caminho; quem poderá conceber a
existência de funcionários públicos em tal isolamento?
Em 1762 foi concedida
a Cláudio Furquim de Almeida uma sesmaria na fazenda Pouso Alegre, lugar
conhecido hoje por Itapeva, entre Camanducaia e Santa Rita da Extrema. Em seu
pedido de concessão, Furquim declara já residir na paragem há mais de cinco
anos, isto é, desde 1757. Nesta data existiam, pois - a fazenda Pouso Alegre,
de Furquim; moradores do rio Jaguari; estavam fundadas Santana e Ouro Fino e o
povoado nas paragens do Mandu, onde funcionava o Registro.
Dos documentos
consultados e dos exames dos fatos conclui-se que, muito antes da doação do
patrimônio para a criação da freguesia, já um povoado antigo existia nas
margens do Mandu. E ainda mais: que esse povoado era relativamente populoso,
pois que, a expensas de seus habitantes, foi construída uma igreja, onde
celebravam-se missas de tempos em tempos e onde instalou-se a freguesia muito
depois, no ano de 1811.
A respeito da Capela
do Mandu não houve o que em geral se verificava com os povoados em formação: a
iniciativa de algumas pessoas que, por dinheiro ou prestígio político,
conseguiam a criação das freguesias. Foi por meio de requerimentos dos
habitantes do lugar, amparados pelo Bispo D. Mateus e por uma representação do
Juiz de Fora de Campanha, que o Príncipe Regente criou a freguesia da capela,
vulgarmente conhecida, do Senhor Bom Jesus do Mandu. A principal alegação ao
povo no dito requerimento foi:
"...que são muito numerosos os habitantes do
lugar, a freguesia de Santana de território vastíssimo e a sua sede bem
distante do Mandu".
Dos fatos se deduz,
por fim, que o arraial formou-se lentamente, pouco a pouco, durante quarenta
anos; portanto, João da Silva Pereira, ou João da Silva, conforme Bernardo da
Veiga e o ato municipal que lhe consagrou uma rua em Pouso Alegre, não foi o fundador
da cidade. Mas é incontestável que ele foi o doador de terras para o patrimônio
da freguesia, desmembradas das muitas que lhe pertenciam, cujas provas se
encontram nos arquivos da cúria metropolitana, de São Paulo.